O Espírito dos Pássaros (Capa)

O Espírito dos Pássaros (Capa)

O Espírito dos Pássaros

Autor
Luis Carlos dos Santos

Desenho da capa
O Pássaro Azul, de António Tapadinhas

Foto da Contracapa
Raul Costa

Composição das Capas
José Pereira

Composição Gráfica
Luis Carlos dos Santos

Edição
1ª edição (e-book)/Dez. 2008 (20 exemplares)
2ª edição (on-line)/Set. 2009

Editora
Casa de Estudos de Alhos Vedros

15.9.09

7 - UM POMBAL NA VARANDA

Sem mais nem porquê dei com um pombo, vermelho, na varanda. Era um pombo-correio, estava anilhado e tinha pouca idade. Um borracho. Pareceu-me que tinha perdido o rumo. Digo isto com base nalguma experiência que ganhei no tratamento de pombos, porque cheguei a ser columbófilo, há uns bons anos atrás. Alguns borrachos quando saem do pombal e iniciam os primeiros voos, por vezes, acontece perderem-se.

A minha primeira reacção, quase automática, foi dar-lhe liberdade. Agarrei nele e soltei-o no ar, na esperança que se conseguisse orientar. Mas não, fez um voo picado e aterrou no terreno que fica defronte da varanda. Receei pela sua sorte.

Saí de casa, fui fazer já não sei o quê, mas fiquei com o pombo na cabeça. Quando regressei já era noite. Fui espreitar na varanda e lá estava ele de novo. Entufado, cabeça por dentro das penas, dormia. Pensei que, para além de perdido, poderia também estar adoentado, ou pelo menos entristecido pelo sentimento de abandono.

No dia seguinte, quando fui à varanda, ele já não estava. Pensei de imediato que tinha seguido a outras paragens. Mas logo reparei num pombo que se alimentava, a alguma distância, nesse dito terreno. Resolvi comprar ração, o alimento que se dá aos pombos-correios, e juntei-lhe uma vasilha com água. Comida e bebida para o caso dele continuar a fazer da minha casa o seu poiso.

Ele gostou do petisco e deu-se como inquilino.

Desde que o agarrei da primeira vez nunca mais ele permitiu que isso se repetisse. Não é que eu tivesse voltado a tentar, mas assim que me aproximava mais do que o devido ele raspava-se.

Passaram tempos e o borracho foi crescendo até que se fez um pombo adulto. Era frequente agora dar com ele a rolar. Sozinho, encostado à parede da varanda, rolava na esperança que alguma pomba o ouvisse. Dia após dia, ele lá ia cumprindo o seu ritual de procura de companhia. E não foi preciso muito tempo para que uma companheira aparecesse.

Uma pomba branca.

Ele ensinou-lhe o caminho da ração e da água. Ensinou-lhe a não me dar muita confiança. E, talvez até por isso, deixou de cá dormir. Agarrou nela e levou-a a dormir em sítio mais seguro. Mas todos os dias vinham os dois à procura do alimento e sempre o alimento lá estava. Vinham várias vezes ao dia e ficavam por algum tempo, poisados no parapeito da varanda, mirando o horizonte, até que se aborreciam e iam dar mais uma volta.

Eu andava contente com os meus amigos. Os pombos têm para mim um significado especial, e uma pomba branca ainda mais, e tudo isto me dava uma sensação de grande conforto.

Mas não era só. Aquela minha varanda estava completa. Para além dos pombos existem uns ninhos de andorinhas que já há anos regressam pela Primavera e também alguns pardais se habituaram a vir ao trigo que faz parte da ração dos pombos. Era decididamente uma varanda muito bem frequentada e era uma alegria preparar as minhas actividades de professor – preparar as aulas, ver trabalhos, etc. – com toda aquela azáfama na varanda.

Um belo dia, estava eu a trabalhar quando, de repente, em vez de dois pombos apareceram quatro. Os filhotes cresceram e os pais, naturalmente, quiseram mostrar aquele belo restaurante aos filhos. Eu, com certeza, também o faria. Os filhotes à semelhança da mãe também eram brancos, ou melhor, maioritariamente brancos pintalgados com algumas manchas mais escuras.

Eu gostei do que vi, mas um sobressalto se apoderou de mim: Depressa concluí que, passados uns tempos, teria a minha varanda transformada no Rossio e temi problemas com os meus vizinhos. Resolvi não fazer nada e arriscar. Eu adorava aquela companhia.

Tempos passaram e, tal como eu previ, em vez de quatro apareceram seis. Os filhos mais velhos cresceram e acasalaram e previa-se uma cada vez maior progressão aritmética. Curioso é que os filhotes saíam quase todos brancos.

Vinham todos à procura do sustento, embora muitas vezes o fizessem, alternadamente, entre os machos e as fêmeas mais velhas. É que quando tinham ovos ou filhotes pequenos tinham que se revezar. Nem ovos, nem filhotes a papa, poderiam ficar sozinhos. E engraçado, havia uma ordem para se comer: Primeiro os mais velhos, o pai ou a mãe (ou neste caso os avós, pois já se tinha chegado, pelo menos, à terceira geração), depois os machos mais velhos, mais fortes, e depois os outros. Mas não havia problema, a comida chegava para todos. Só aquele receio de chatices com os vizinhos me acompanhava.

Mas, repentinamente, a partir de certa altura, reparei que o pombo vermelho, o anilhado, aquele que tinha sido o meu primeiro visitante, deixou de aparecer. Apanharam-no, caçaram-no, não sei. Simplesmente desapareceu.

A sua companheira, a pomba branca, ainda veio durante algum tempo com o resto da família. Mas as ausências começaram rapidamente a aumentar. Vi o último, uma pombinha toda branquinha, resultado com certeza da última criação, num certo Domingo de Dezembro. Não faço ideia do que lhes terá acontecido. Espero que estejam bem.

3 comentários:

Anónimo disse...

É uma bonita História...mas...já reparou (certamente que sim!!!), como atrai a passarada???
Cá para mim, você é um se alado. Simmm, alado. Daqueles a quem a maioria das pessoas não consegue ver as asas.
Bjh

luis disse...

Todos nós estamos ligados a seres alados. Basta prestar um pouquinho de atenção. E, conforme se diz na Introdução do livrinho, Alhos Vedros, em etimologia em parte por mim inventada, traduz-se por Homens Velhos com Asas... Quando houver oportunidade lhe contarei o resto.

luis disse...

...Beijinhos, claro.