O Espírito dos Pássaros (Capa)

O Espírito dos Pássaros (Capa)

O Espírito dos Pássaros

Autor
Luis Carlos dos Santos

Desenho da capa
O Pássaro Azul, de António Tapadinhas

Foto da Contracapa
Raul Costa

Composição das Capas
José Pereira

Composição Gráfica
Luis Carlos dos Santos

Edição
1ª edição (e-book)/Dez. 2008 (20 exemplares)
2ª edição (on-line)/Set. 2009

Editora
Casa de Estudos de Alhos Vedros

15.9.09

3 - GAIVINAS E FLAMINGOS

1.
Tenho um amigo que adora animais. Cavalos, cães, grandes e pequenos, gatos, aves de vários portes, e por aí fora. Um dia apanhou um pássaro do rio ferido. Um desses pássaros que passam connosco parte do ano, em viagens eternas de vai-vem e que, com certeza, foi apanhada por uma chumbada de caçador.

Era uma gaivina, ou perna-longa, como também se chama: a parte superior das asas preta, todo o dorso branco, pernilonga, de bico estreito e comprido para melhor pescar na lama.

O meu amigo levou-a para casa, tratou-a, deu-lhe de comer, e quando viu que ela estava completamente restabelecida, achou que era chegada a hora de a devolver ao seu habitat natural. E convidou-me para tal empresa.

Foi um grande dia, esse, o da libertação da gaivina. Tudo se passou nas marinhas defronte do cais de Desmantelamento de Barcos, em Alhos Vedros. Como eu trago bem gravado, desde então, o ar de agradecimento que a gaivina nos enviou, antes de virar numa esquina de salgadeira e voar para iniciar um renovado ciclo de vida.

Quanto ao dito Cais, também chamado “Cais Novo”, o cemitério de barcos que temos em Alhos Vedros, assinala uma forte presença, ali mesmo junto ao rio, destoando de toda a área natural, ribeirinha, que o cerca. Uma zona de grande beleza natural e de lazer para todos nós que outrora ali íamos passear, pescar, nadar, ver os flamingos, as gaivinas, enfim, aproveitar algumas das boas oportunidades que a natureza nos proporciona. Disse bem, outrora...

Ainda tem o nosso Concelho, refira-se em bom tom, aqui mesmo em frente a Lisboa, um daqueles lugares naturais que constituem um bem escasso cada vez mais raro nos tempos que correm. Portanto, o mais óbvio, será irmos pensando, e depressa, na melhor maneira de proteger toda esta zona ribeirinha, devolvendo-a inteiramente às populações, evitando a tempo alguns oportunismos menos convenientes que não destruam a beira-rio, tantos são os maus exemplos que conhecemos.

Mas se em Alhos Vedros a relação entre gentes e rio tem estado meio complicada, agora, meus amigos, acabaram de chegar os Melos, e num projecto urbanístico, rodeado de muitos cuidados e algum mistério, iremos ter mais onze mil pessoas ali mesmo ao pé do rio. Será que vão haver gaivinas que resistam?




2.
Já me tinham dito que os tinham visto por cá. Para mim foi a primeira vez. Numa das minhas habituais passeatas ao Moinho da Encharroqueira, no meio de alguns exercícios físicos, eis que de repente, como se de uma visão se tratasse, eles lá estavam.

Bem perto de mim, a uma distância de cinquenta metros, nas suas fogueantes cores, brilhantes, entre os brancos e os rosas, um bando de doze, calmamente ia estando, sem que revelassem medo da presença humana. De muita calma se tratava, de facto, porque devia estar fora da hora da refeição. Até parece que em repouso meditavam. Pareciam anjos.

Voltei de volta sem acabar os habituais exercícios: saudação ao sol, seguida de simples exercícios físicos, fechando com alguma meditação/contemplação ou oração, ou não. Acabei por escolher um sítio mais tranquilo, junto a umas árvores à beira do caminho. E aí comecei.

À minha frente o sol brilhou, atrás pintou o arco‑íris, nítido e radiante, e ao redor choveu. Chovia e fazia sol, em simultâneo, dando uma cor inesquecível de luz, de difícil descrição, mas decerto tornando imenso o espectáculo. Como é incrível a sinfonia da natureza. Com algum jeitinho até dava para ouvir a “Música das Esferas”, os “Cânticos Celestiais”.

E a chuva começou a cair com tal intensidade que não dava só para andar e reiniciei a corrida. E eu corria pelo meio da chuva numa sensação de infinita beleza e felicidade. Havia um pequeno receio pelo meio, cair chuva‑de‑pedra. Porque três vezes ela acelerou em queda veloz.

Ao chegar perto de casa, ainda pelo meio da chuva, estava um idoso amigo resguardado debaixo de uma varanda e que logo me aconselhou a não parar para não arrefecer. “Não pares, isto é gelo. Agora vais tomar já um banho e ficas bom”. E eu, embora a minha vontade fosse prolongar aquele banho de chuva, confiei na sua experiência.

Ao dobrar a esquina do prédio, a São e o Tomás preparavam‑se para sair. Ao ver‑me encharcado que nem um pinto, o Tomás olhava para mim de cima dos seus três anos, olhos esbugalhados de incrédulo, porque decerto nunca tinha deparado com tal cenário. “Será que este é o meu pai?”, deve ter pensado. Mas assim que reparou que eu estava satisfeito e que nada havia de mal, logo disse: – “Pai, quero ir ver o mar...”

E eu lá fui escada acima ao encontro de um tão merecido banho de água quente.

4 comentários:

Anónimo disse...

Há muitos anos conheci o cais velho, os barcos que o tempo e o mar esquceram e que, se foram constituindo como um monte de sucata...
....estranho....não cheguei a ver as gaivinas e os flamingos . infelizmente.
Lembro-me agora, que nessa altura comi peixes, pescados por um amigo, que tal como o cais velho, nunca mais reencontrei. Foi há muitos anos, como disse e revejo agora essas imagens, como se fossem fotografias de um tempo perdido, distante...penso que foi real, Sería?!?...
Nato. Era Nato que se chamava esse camarada...que será feito dele??? E os outros...
Gostava de ter visto as gaivinas e os flamingos.
Bj

luis disse...

Lembro-me bem. Eu também estava nessa petiscada. Afinal...

Os tempos mudaram, mas tudo permanece, mais ou menos, na mesma. A diferença é que, depois, começaram a chegar as gaivinas e os flamingos.

Bjh.

Anónimo disse...

e ainda bem!!
bj

luis disse...

Agora vou-lhe fazer uma revelação. Acho a coincidência tão grande que me deixa desconfiado. Daí não ter dito nada no comentário anterior. O indivíduo referido que adora animais, o principal protagonista desta história, é o Nato...